2 de novembro de 2013

A morte

As formigas migraram na minguante
Enquanto você descia pela tangente.
O caminhão apareceu
E você desapareceu.
O perfume da mirra e do incenso
Foram pouco para tão curto tempo:
Os pneus do caminhão repartiram
O grupo de formigas emigrantes, imigrantes
Nesse mundo errante, onde você e
Todos aqueles não imaginam estar
Tudo é fim, a dor é o tic-tac do relógio
E o prazer é qualquer coisa que você queira.
E os leigos continuam querendo dar
Continuidade ao suspiro incontínuo
E autodidatas automobilizados decifram
Depois de serem por todo devorados.
E a discoteca toca teca toca teca,
Bum tistú tistú tistú tistú tistú Bum
Bum tistú tistú tistú tistú tistú Bum
Bum diz tudo diz tudo, diz que tu BUM.
A morte e a sorte do oriente do oriente que foi
O que eu vi quando o quando não existiu.
E quando me lembro que a lembrança
É a lembrança da lembrança que dança...

Udo Baingo, Inocência, 2011, Editora Multifoco

27 de setembro de 2013

A canção da manhã

Então desça, titânico rapaz,
Desperte a tua desejada, a adormecida!
Anda cá abaixo e cinge
Com pétalas delicadas a sonhosa cabeça.
Acende o inquieto céu com facho ardente,
Que as estrelas empalidecidas dançando soem
E os véus voadores da noite
Ao alto chamejando desvaneçam,
Que se pulverizem as ciclópicas nuvens,
Nas quais o inverno, fugindo da Terra,
Ainda a bradar ameaças faz com chuvas gélidas,
E os longes celestes em pureza radiante se abram.
Se acaso adentrares, ó maravilhoso, a juba esvoaçante,
À Terra abaixo, acolhe num silêncio sagrado
Ela o noivo bramante, e tremendo em calafrios profundos
Por este teu tão inquieto amplexo tempestuoso,
O seu sagrado colo a ti ela abre.
E um docíssimo sabor à extática lhe vem,
Quando tu, candente de pétalas, acordas
Sua vida fecunda, cujo nobre passado
Mais nobre futuro impele,
E a ti se iguala, como tu a ti mesmo te igualas,
Com o que, à tua vontade rendida, ó sempre vivaz,
Nela um eterno enigma
Em nobre beleza novamente no futuro se reitera.

 Georg Trakl in: Gedichte, Sonstige Veröffentlichungen zu Lebzeiten ─ tradução do alemão por Udo Baingo 27 de setembro de 2013

16 de setembro de 2013

a vida

a vida é chance
e chave de ignição
sem mais
perdida ao se ganhar
qual corrida n@ autobahn noturna
colorida
de luzes traseiras
e a dança de faróis dianteiros
numa viagem
sem vinda
só ida
ao futuro
se emblema de passado
no rastro invisível
do pneu
na via na qual
a mais dura
ruptura nos acontece

a vida é chance
e sinal de elevação
sem menos
perder do que ganhar
qual pista de corrida
de roleta russa
na qual a bola
rebola e se esbola
e se emblema no passado
do número atirado
já desde o primeiro instante
rapto que nos acontece

a vida é servida
por uma aeromoça
como quitute
de brinde
e de flanco
o seu olhar
só visa a moça
e o doce olhar
do engano
e do plano aquém

ah se não nos enganassemos
ah se não nos agitasse o êxtase

7 de setembro de 2013

Entre anotações de uma agência de viagens home-office

Deixei cair o tinteiro inteiro / fuleiro
Sobre essas páginas / o papel
                                    e encharcam integramente no lodo
As fibras se enlaçam
Da criação
    Passou boiada d'além-mar na avenida
O ar fez cócega no nariz são
Pintei o sete com o tênis 37
Era sete de setembro um dia de
março, die de marcha
Felicito o ser independente
Que ventan(i)a / avoam folhas
Dai-me um dinheiro
(Faz que) cai um cinzeiro
Qual praça onde se queimam
                                                livros

 (Favor pular coisas escritas ao avesso)

Pimenta errada ainda é pimenta
Portanto animais o tanto que
que reis

(Favor virar folha)
Aquilo que erro fica corado no papel
Celulosers de todo o mundo
Uni-vos.

Lemos mais       que bebemos
                     do
Somos mais       que já somos

16 de agosto de 2013

NOVALIS, ZUEIGNUNG

Zueignung

Du hast in mir den edeln Trieb erregt
Tief ins Gemüt der weiten Welt zu schauen;
Mit deiner Hand ergriff mich ein Vertrauen,
Das sicher mich durch alle Stürme trägt.

Mit Ahndungen hast du das Kind gepflegt,
Und zogst mit ihm durch fabelhafte Auen;
Hast, als das Urbild zartgesinnter Frauen,
Des Jünglings Herz zum höchsten Schwung bewegt.



Dedicação

O nobre impulso provocaste em mim
De ver do vasto mundo a profund'alma;
Com tua mão alçou-me a calma
Que em temporais carrega-me ao fim.

Pequeno me criaste com afinco,
Cruzamos juntos doce manancial;
Maravilhado o jovem coração
Deixaste com teu amor feminino.


Trecho de poema de Novalis, Tradução do alemão de Udo Baingo / Berlim, 16 a 18 de agosto de 2013